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19/06/2008

DIREITO ADMINISTRATIVO - PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - PARTE V

Moralidade Administrativa
Nem todos os autores aceitam a existência desse princípio; alguns entendem que o conceito de moral administrativa é vago e impreciso ou que acaba por ser absorvido pelo próprio conceito de legalidade.
No entanto, antiga é a distinção entre Moral e Direito, ambos representados por círculos concêntricos, sendo o maior correspondente à moral e, o menor, ao direito. Licitude e honestidade seriam os traços distintivos entre o direito e a moral, numa aceitação ampla do brocardo segundo o qual non omne quod ficet honestum est (nem tudo o que é legal é honesto).
Antônio José Brandão (RDA 25:454) faz um estudo da evolução da moralidade administrativa, mostrando que foi no direito civil que a regra moral primeiro se imiscuiu na esfera jurídica, por meio da doutrina do exercício abusivo dos direitos e, depois, pelas doutrinas do não-locupletamento à custa alheia e da obrigação natural. Essa mesma intromissão verificou-se no âmbito do direito público, em especial no direito administrativo, no qual penetrou quando se começou a discutir o problema do exame jurisdicional do desvio de poder.
implica saber distinguir não só o bem e o mal, o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, mas também entre o honesto e o desonesto; há uma moral institucional, contida na lei, imposta pelo Poder Legislativo, e há a moral administrativa, que "é imposta de dentro e vigora no próprio ambiente institucional e condiciona a utilização de qualquer poder jurídico, mesmo o discricionário".
Conforme assinalado, a imoralidade administrativa surgiu e se desenvolveu ligada à idéia de desvio de poder, pois se entendia que em ambas as hipóteses a Administração Pública se utiliza de meios lícitos para atingir finalidades metajurídicas irregulares. A imoralidade estaria na intenção do agente.
Essa a razão pela qual muitos autores entendem que a imoralidade se reduz a uma das hipóteses de ilegalidade que pode atingir os atos administrativos, ou seja, a ilegalidade quanto aos fins (desvio de poder).
Certamente com o objetivo de sujeitar ao exame judicial a moralidade administrativa é que o desvio de poder passou a ser visto como hipótese de ilegalidade, sujeita, portanto, ao controle judicial. Ainda que, no desvio de poder, o vício esteja na consciência ou intenção de quem pratica o ato, a matéria passou a inserir-se no próprio conceito de legalidade administrativa. 0 direito ampliou o seu círculo para abranger matéria que antes dizia respeito apenas à moral.
No direito positivo brasileiro a lei que rege a ação popular (Lei n. 4.717, de 29-6-65) consagrou a tese que coloca o desvio de poder como uma das hipóteses de ato administrativo ilegal, ao defini-lo, no artigo 22, parágrafo único, alínea "e", como aquele que se verifica "quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência".
Será então que se pode identificar o princípio da legalidade com o da mora administrativa?
Em face do direito positivo brasileiro, a resposta é negativa. A Constituição de 1967 falava, no artigo 82, V, em probidade administrativa, considerando-a crime de responsabilidade do Presidente da República; e a Constituição de 1988, além de repetir aquela norma no artigo 85, V, faz um avanço ao mencionar, no artigo 37, caput, como princípios autônomos, o da legalidade e o da moralidade, e, no § 42 do mesmo dispositivo, punir os atos de improbidade administrativa com a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. Por sua vez, o artigo 52, inciso LXXIII, ampliou os casos
de cabimento de ação popular para incluir, entre outros, os que impliquem ofensa à moralidade administrativa. Além disso, a Emenda constitucional de Revisão n. 4, de 7-6-94, alterou o § 92 do artigo 14 da Constituição para colocar a probidade administrativa e a moralidade para o exercício do mandato como objetivos a serem alcançados pela lei que estabelecer os casos de inelegibilidades.
A Lei nº 1.079, de 10-4-50, que define os crimes de responsabilidade, prevê, no artigo 92, os crimes contra a probidade administrativa; em alguns deles, há ofensa direta à lei, como na hipótese de infringência às normas legais sobre provimento dos cargos públicos; em outros, isso não ocorre, como na hipótese de omissão ou retardamento doloso na publicação de atos do Poder Executivo, na de responsabilização dos subordinados por delitos funcionais e no de procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo.
Mesmo os comportamentos ofensivos da moral comum implicam ofensa ao princípio da moralidade administrativa (cf. Manoel de Oliveira Franco Sobrinho, 1974:11).
Além disso, o princípio deve ser observado não apenas pelo administrador, mas também pelo particular que se relaciona com a Administração Pública. São freqüentes, em matéria de licitação, os conluios entre licitantes, a caracterizar ofensa a referido princípio.
Em resumo, sempre que em matéria administrativa se verificar que o comportamento da Administração ou do administrado que com ela se relaciona juridicamente, embora em consonância com a lei, ofende a moral, os bons costumes, as regras de boa administração, os princípios de justiça e de eqüidade, a idéia comum de honestidade, estará havendo ofensa ao princípio da moralidade administrativa.
É evidente que, a partir do momento em que o desvio de poder foi considerado como ato ilegal e não apenas imoral, a moralidade administrativa teve seu campo reduzido; o que não impede, diante do direito positivo brasileiro, o reconhecimento de sua existência como princípio autônomo.
Embora não se identifique com a legalidade (porque a lei pode ser Imoral e a moral pode ultrapassar o âmbito da lei), a imoralidade administrativa produz efeitos jurídicos, porque acarreta a invalidade do ato, que pode ser decretada pela própria Administração ou pelo Poder Judiciário. A apreciação judicial da imoralidade ficou consagrada pelo dispositivo concernente à ação popular (art. 52, LXXIII, da Constituição) e implicitamente pelos já referidos artigos 37, § 42, e 85, V, este último considerando a improbidade administrativa como crime de responsabilidade.
Merece menção a obra em que Agustin Gordillo (1982:74-78) fala sobre a existência de uma administração paralela, ou seja, de um "parassistema jurídico-administrativo, que revela existirem, concomitante mente, procedimentos formais e informais, competências e organização formais e informais, a Constituição real e o sistema paraconstitucional, o governo instituído e o governo paralelo e, também, a existência de dupla moral ou de duplo standard moral, que está presente em todos os setores da vida pública ou privada. Ele cita o caso do comerciante que quer denunciar o competidor desleal que não paga os impostos, o do estudante que "cola" nos exames, o do professor que não ensina, e em geral o de todos aqueles que exercem uma atividade qualquer sem dedicação, sem responsabilidade, sem vocação, sem espírito de servir à comunidade. Acrescenta ele que "a dupla moral implica o reconhecimento de que o sistema não deve ser cumprido fiei nem integralmente, que ele carece de sentido; é o parassistema o que dá realidade e sentido obrigacional às condutas individuais".
É a existência dessa moral paralela na Administração Pública um problema crucial de nossa época, por deixar sem qualquer sanção atos que, embora legais, atentam contra o senso comum de honestidade e de justiça.
Segundo Gordillo, é só através da participação popular no controle da Administração Pública que será possível superar a existência dessa administração paralela e, em conseqüência, da moral paralela.
Sobre moralidade administrativa, falamos, de modo mais aprofundado, no livro Discricionariedade Administrativa na Constituição de 1988.
fonte: Di Pietro, Maria Silvia. Direito Administrativo

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